Eu me vejo de cabelos brancos,sentadinha em uma cadeira em movimento vem-e-vai e sobretudo,escrevendo.


(Ana Stefana Lisboa)

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Sentimento


- Vamos, anda. É preciso pressa para retirar boa parte das coisas de lá!
Abrimos juntos a porta e entramos na ponta dos pés.Te olhei de lado e notei suas malas, suas mãos e seu desgosto de ter que partir. Eu sei, eu sei, é difícil amontoar tudo,todos aqueles pares de sapatos que um dia você largou pela sala, suas roupas no varal e seus pertences íntimos no banheiro que de vez em sempre você me pegava usando.
Certamente algo ficará por aqui, algum pertence deixarás aqui, no canto, atrás da cortina pra que haja lembrança. Não temos como recolher tudo e eu também não quero. Quero lembrar e sorrir.
- Não derrube nada, não podemos acordá-los - briguei.
- Sim,senhora.
Me respondeu como se fosse um quartel militar.Sim, eu sei que sou.
- Não arraste a mesa, cuidado! Eles não podem acordar! - briguei de novo.
(Fez-se silêncio)
Aproveitei pra te mostrar as costuras na cortina da cozinha, as porcelanas coladas e o porta-retrato trincado e apontei:
- Eu não quero é isso aí,remendar mais pertences. - cochichei como calma no pé do seu ouvido.
Balançou a cabeça com se quisesse dizer algo, mas não disse.
- Anda,anda, ordena as coisas! Eles podem sentir sede e levantar para tomar uma água!
- Eles quem,minha senhora? - notei certa frieza na sua pergunta.
- Os sentimentos, meu bem!

4 comentários:

  1. Perfeito! Tava com saudades de ler seus textos.

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  2. "A palavra do ser humano é o material mais durável.
    Quando um poeta encarna sua sensação mais fugaz com palavras adequadas,
    ela vive nestas por milênios e volta a despertar em todo leitor sensível."
    Schopenhauer, o Arthur em Sobre o Ofício do Escritor.
    PARA MINHA AMIGA E ESCRITORA ANA STEFANA

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Venha quando quiser: - Tem espaço na casa e no coração -(Caio Fernando Abreu)